Sobre limites pessoais e o Landmark Forum
Ou minha experiência em um seminário de três dias sobre autodesenvolvimento
A convite de um amigo, participei de um seminário de três dias organizado pelo Landmark Forum no último fim de semana. Até então, nunca tinha ouvido falar do grupo, que tem como objetivo oferecer cursos de desenvolvimento pessoal.
Para contextualizar, sou meio viciada em autoconhecimento: faço terapia desde criança, adoro livros e séries sobre comportamento, já fiz uma pós em psicologia positiva, pratiquei yoga por anos, sou adepta do mindfulness e grande fã de Jane Nelsen, Brené Brown, Marshall Rosemberg e da comunicação não-violenta. Do lado profissional, tenho certificação em facilitação de grupos, processos de coaching com ex-McKinseys e treinamento para aplicar mentorias.
Feito o disclaimer, seguem minhas impressões:
Pré-seminário
Há muita preparação para você estar “preparada” para o fim de semana. São muitas ligações, dicas de internet, explicações sobre o Zoom, pedidos para ter um espaço privado para o curso etc. etc. etc. e um encontro online de duas horas para tirar dúvidas sobre os três dias. Pedem também que você esteja 100% focado e dedicado ao curso, sem interrupções da família, celular ou barulhos. Ah, e câmera ligada o tempo todo. Me deu um pouco de ranço? Deu. Mas ok, vamos lá de mente aberta.
Dia 1
O primeiro dia começa cedo, com pessoas um pouco receosas, ansiosas e na expectativa. Nossa líder é a animação em pessoa, toda hora falando que teremos uma transformação maravilhosa até o fim de domingo. Ela dá mais um recado: não podemos anotar nada (quem acha que eu quebrei essa regra?) vamos ter um resumo do que foi dito a cada dia (nunca recebi), e temos que estar prontos para receber coaching, senão o processo não vai funcionar. Me deu mais ranço? Sim, mas bora continuar.
Muitos temas são abordados, seguindo o fio condutor “histórias que contamos a nós mesmos”, a diferença entre fatos e interpretações, traumas de infância, comportamentos que viram desculpas para o fracasso, e o aprisionamento dos papéis que interpretamos nas nossas vidas. Interessante? Muito. Novidade para mim? Não. Mas no contexto e com o compartilhamento em grupo, dá mais vontade de agir.
No meio da manhã, um grande imprevisto. Tenho uma emergência no trabalho. Desligo a câmera para atender o telefone. Em dez minutos, recebo uma ligação de uma pessoa do Forum, dizendo que estou quebrando combinados e que posso não conseguir voltar para o treinamento. Explico o que aconteceu. A pessoa só repete que não estou sendo íntegra (sim, essa é uma palavra importante para o Landmark). Digo que se eu não puder voltar, ok, mas que estou focada em dar um jeito. A pessoa concorda e desliga, mas manda um textão pelo whatsapp sobre integridade e responsabilidade.
O dia termina com exercícios bacanas para serem feitos em casa, com foco em conversas difíceis e resolução de problemas. Saldo do dia? Em cima do muro.
Dia 2
O segundo dia começa mais animado, com pessoas ávidas para compartilhar seus deveres de casa e seus momentos Grand Canyon (sim, outra expressão muito usada). Falamos sobre relacionamentos com os pais, traumas do passado, coragem, ciclos viciosos, travas. Em certo momento, a líder coloca uma pessoa contra a parede, o clima fica tenso. Penso que gosto da forma como a líder vai direto ao ponto e não deixa ninguém divagar ou se enrolar nas histórias. E tem uma oratória perfeita.
Começo a observar também que a linguagem usada tem traços de seita. Como sei disso? Por causa desse livro maravilhoso aqui. Meu espírito de jornalista vem com tudo e resolvo pesquisar o Landmark a fundo. Descubro que tem base nos LGATs, ou large group awareness trainings, que, resumidamente, consistem em colocar muitas pessoas juntas e usar uma série de técnicas que causam reações de estresse e liberação de endorfina para chegar a um objetivo. O Landmark tinha outro nome até a década de 80 e foi repaginado nos últimos vinte anos. É um conceito que funciona muito para uns e pode ser bem perigoso para outros. Pense em Cientologia, Arte de Viver e Tony Robbins. Saldo do dia? Interessada, mas desconfiada.
Quer saber mais sobre LGATs? Assista o documentário sobre o Tony Robbins, Eu não sou o seu guru, no Netflix.
Você sabia que o livro (e o filme) Clube da Luta, de Chuck Palahniuk, é uma metáfora sobre o tempo em que o autor participou do Landmark Forum?
Dia 3
O dia começa com o compartilhamento de sempre, com um plus péssimo. Nossa líder passa a manhã falando exaustivamente de como devemos chamar todas as pessoas que conhecemos para o Forum para transformar cada vez mais vidas. Nesse momento, escrevo no meu caderno, em letras maiúsculas e sublinho duas vezes: insuportável.
Chega o intervalo do almoço e decido desistir. Penso que o domingo ainda não chegou ao fim e que não vi tudo, resolvo voltar. Quem sabe não vejo meu Grand Canyon? Atraso dez minutos para entrar na reunião, levo uma chamada de um dos organizadores Forum.
Uma executiva faz um desabafo de como não tem nada profundo para transformar na vida e me identifico. Ela recebe um coaching estilo “bom policial, mau policial”, chora e agradece. O resto da tarde segue bem. São abordados temas interessantes, adaptados de várias linhas como a terapia de aceitação e compromisso e o Zen Budismo.
As pecinhas começam a se encaixar. Cai a ficha de que todo dia é um novo começo e meu passado não define meu futuro
As pecinhas começam a se encaixar. Cai a ficha de que todo dia é um novo começo e meu passado não define meu futuro. É óbvio? Talvez. Fazemos um exercício potente, que não vou dar spoiler aqui. Mas tem a ver com autorresponsabilidade e tomar as rédeas da própria vida. O que meu grupo compartilha é muito tocante. Fico com lágrimas nos olhos e me emociono com a evolução das pessoas. Se o encontro fosse presencial, com certeza estaria abraçando todo mundo.
No encerramento, graduados (ou aqueles que já fizeram o Forum e nos convidaram) entram no Zoom e participam da roda de compartilhamentos. As pessoas estão felizes, falando dos insights. É bonito ver um pessoal visivelmente emocionado e livre de uma bagagem que nem sabiam que carregavam.
Mas aí nossa líder começa com o papo de recrutamento de novo e eu penso... é, realmente não é para mim.