Quando a comparação vira um vício
A vida fica cada vez mais vazia quando a gente se compara com os outros
Gosto de refletir sobre a vida no início do ano. O que tem funcionado, o que não está legal e o que pode melhorar? Não crio metas ou listas de desejos no fim do ano há muito tempo. Além da pressão desnecessária, não gosto de começar o ano “devendo” e sem espaço para mudar de ideia ao longo dos meses.
Janeiro passou, já estamos em fevereiro e, pela primeira vez, rolou uma novidade (negativa) lá em casa. Minhas filhas ficaram comparando suas férias com as das amigas. O tempo todo. O que elas estavam fazendo? Por que não estávamos viajando igual ao outros? Será que as férias estavam sendo legais mesmo? Ou não?
Fiquei pensando em como nós, como sociedade, estamos viciados em comparação. Entendo que vivemos em comunidade e nossas ações acabam sendo balizadas, em parte, pelo que os outros estão fazendo. É o amigo que começa a se exercitar e te inspira a treinar também, os colegas de trabalho que focam na boa alimentação e te incentivam a diminuir o açúcar, a amiga de infância que fez uma viagem incrível e você resolve que vai tentar fazer igual.
O difícil é quando a grama do vizinho parece estar sempre mais verde, e o que você está fazendo, que também é muito bom, vira algo menor. É a amiga que só foca na nota da outra. As férias na praia que não são tão boas como as férias nos Estados Unidos ou as férias nos Estados Unidos que não são tão boas como as na Europa. O trabalho que é chato porque todo dia você faz a mesma coisa, ou é chato porque você não tem rotina e todo dia o planejamento muda. É o seu cachorro que late sem parar... e bem que ele podia ser fofo e quieto como o do vizinho.
Sua amiga ficou grávida na primeira tentativa e você está tentando há anos sem sucesso. Seu colega viaja todo fim de semana e você mal consegue juntar dinheiro para uma viagem. É aquela mãe que trabalha, vai para a academia, acompanha a agenda dos filhos e namora com o marido, e você acorda todo dia atrasada depois de desligar vários despertadores diferentes. É a prima que só come orgânicos, é zero glúten, vive sem refrigerante ou açúcar, e você é viciada em coca zero.
As redes sociais amplificaram a sensação de que todos, com exceção de nós, vivem uma vida perfeita. A comparação, que ficava restrita a certas situações, tomou conta de tudo. Estamos viciados em olhar para o lado, rolar o feed do Instagram ou dar aquela olhadinha no Linkedin (vem cá, você também odeia o Linkedin? Ou isso é paranoia minha?).
O excesso de comparação acaba com a nossa alegria. Nos faz correr atrás de metas, objetivos e sonhos que não são nossos. Incentiva a construção de uma vida que é linda por fora e oca por dentro. Nos deixa desalinhados com o que é importante de verdade: nossos valores, nossas paixões e nosso instinto. Cria uma sensação de vazio, que nada mais é do que o desalinhamento entre o que queremos de verdade e o que achamos que os outros esperam de nós. Fingir é exaustivo.
O excesso de comparação acaba com a nossa alegria. Nos faz correr atrás de metas, objetivos e sonhos que não são nossos. Incentiva a construção de uma vida que é linda por fora e oca por dentro.
Tudo isso para dizer que, na minha revisão do ano, decidi ser mais low profile. Quero que seja um 2025 menos corrido, menos competitivo, com menos confraternizações em grupões e com mais tempo em família, com as pessoas que amo. Um ano de reconectar com os amigos que sinto falta, de mergulhar nos estudos de Cultura da Paz, de consumir menos e de descansar mais.
Rapidinhas:
- Estou OBCECADA com a série Shrinking (Falando a Real) na Apple TV. Jason Seigel é um terapeuta em luto que resolve falar tudo o que ele pensa para seus pacientes. E ainda tem Harrison Ford, como o mentor carrancudo do personagem principal.
- White Lotus está de volta!
- Severance também!
Livros, livros e mais livros:
- Três, de Valérie Perrin: Meu maior achado do ano passado. Ri, chorei e me emocionei de mais com a história de 3 amigos, da infância até seus 40 e poucos anos. Li junto com minha amiga de infância, o que deixou tudo ainda mais especial.
- Água fresca para as flores, de Valérie Perrin: Amei tanto a autora que comprei o outro livro dela. Nesse, a história central é o luto a partir de uma zeladora de um cemitério. Singelo e marcante.
- Impostora: Yellowface, de R.F. Kuang: Indicado pela mesma amiga do Três, esse livro fala das dificuldades da carreira literária, de apropriação cultura e mais um monte de temas atuais. E ainda tem o bônus de ter uma protagonista que você vai amar odiar.
Inspira Lab:
Para quem não sabe, tenho um projeto paralelo chamado Inspira Lab. Ele une comunicação consciente e não violenta + escrita terapêutica + mentorias gratuitas. Você me acha lá no inspira.lab.br. Alguns dos últimos posts: